quinta-feira, 5 de maio de 2005

 

Adeus, Vanessa!


A Vanessa tinha cinco anos.
Vivia com o pai e com a avó, no Bairro do Aleixo, no Porto.
O pai tem 25 anos, é toxicodependente e está desempregado. A avó é costureira e vive do Rendimento Mínimo Garantido.

Mas a Vanessa não era uma menina como as outras.
A Vanessa não brincava com as outras crianças, pois nem sequer ia à escola. Ficava todo o dia em casa com a avó.
Quando a avó tinha de sair e não a podia levar, fechava-a na despensa durante horas a fio, sozinha.
A Segurança Social que acompanhava aquela casa, nem sequer sabia da sua existência.

A Vanessa não tinha ouvido falar (e se tivesse não teria compreendido) do caso da pequena Catarina.
A Catarina tinha vivido ali perto, em Ermesinde.
A Catarina morreu o ano passado, vítima de maus tratos e de repetidos abusos sexuais, praticados pelo próprio pai e pela tia.
A sentença do tribunal que os condenou a 14 anos de prisão precisou de 104 páginas para descrever a invulgar brutalidade do crime.
A Catarina tinha dois anos.

A Vanessa já tinha cinco.

O mundo da Vanessa era o pai e a avó.
Provavelmente amou-os do fundo do seu pequeno coração.
E confiou neles.
Não tinha mais ninguém.

Não tinha mais ninguém que lhe contasse uma história à noite na cama.
Que lhe aconchegasse os cobertores nas noites frias de Inverno.
Que lhe respondesse à sua curiosidade sobre as coisas deste mundo.
Que a confortasse e a abraçasse com força a meio da noite, depois de um pesadelo.
Que a ouvisse cantar e dançar. E a rir.
Que às vezes lhe desse um beijo.
Que a amasse.

Mas não. A pequena Vanessa não teve essa sorte.
Em vez disso, o pai e a avó bateram-lhe selvaticamente.
Fria, metódica e sistematicamente.
Nem lhe deram tempo para viver ou para sonhar. Nem sequer para brincar um pouco mais.
Bateram-lhe tanto, tanto, que a mataram!

Que teria pensado a Vanessa enquanto a avó e o seu próprio pai a matavam lentamente?
Quantas vezes terá perguntado a si própria porquê?
Que tristeza, que desilusão, que sofrimentos terá vivido?
Que solidão terá sentido?

O seu corpo pequenino tinha múltiplas marcas de fracturas, algumas já antigas, e tantas equimoses que até metia dó.
Para esconderem o seu crime, o pai e a avó inventaram um rapto numa feira, e atiraram o seu corpo ao rio Douro.
Apareceu a boiar, ao pé do cais.

Disseram as vizinhas, na televisão, que a Vanessa era muito bonita e tinha uns lindos olhos azuis.

Adeus, Vanessa!



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