quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

 

O Primeiro Passo



A Teresa e a Lena vivem juntas há quase três anos.

O amor que a Teresa e a Lena vivem e que sentem uma pela outra levou-as a projectar e a planear uma vida conjunta pelo resto dos seus dias.

Por isso, e como é natural, querem constituir uma família em plena comunhão das suas vidas.
Querem celebrar um compromisso formal e solene entre ambas, que as vincule reciprocamente tanto do ponto de vista patrimonial como do ponto de vista moral.
Querem formar uma sociedade familiar que integre todos os seus bens, e querem celebrar um compromisso mútuo de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.
Querem também que a família que pretendem formar seja reconhecida e tenha plena eficácia jurídica na sociedade em que vivem.

Querem, numa palavra, casar-se!

Por isso, no próximo dia 1 de Fevereiro de 2006 pelas 14,30 Horas a Teresa e a Lena vão apresentar-se na 7ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa (sita na Avenida Fontes Pereira de Melo, nº 7 – 1º andar em 1050-115 Lisboa), onde requereram já a abertura do respectivo processo de publicações, precisamente para se casarem.

A Teresa e a Lena têm todo o seu processo legal de casamento perfeita e legalmente instruído junto daquela Conservatória do Registo Civil. Como cidadãs gozam de total e inequívoca capacidade matrimonial para se poderem casar.

Mas, acontece que "um pequeno detalhe" se interpõe entre elas e os seus planos de uma vida familiar livre e de uma plena comunhão de vida legalmente reconhecida:
É que o artigo 1.577º do Código Civil português ainda define o casamento como «o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida».
Ou seja, apesar de o casamento não ser mais do que um simples e mero contrato, de natureza exclusivamente civil, o que é facto é que a lei civil inexplicavelmente ainda restringe e limita a sua celebração a pessoas de sexo diferente.

Mas, no entanto, acontece que o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa estabelece de forma perfeitamente clara o princípio da igualdade entre todos os cidadãos, e a absoluta interdição de qualquer forma de distinção entre eles:
«1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
«2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

Então, a conclusão só pode ser uma:
A expressão «de sexo diferente» contida no corpo do artigo 1.577º do Código Civil é, absoluta e inequivocamente INCONSTITUCIONAL!

Por isso, a Teresa e a Lena não têm qualquer dúvida nem hesitação em se apresentarem naquele dia na 7ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, para, como duas cidadãs livres e no gozo pleno dos seus direitos, procurarem exercer um direito de cidadania tão simples como é o de celebrarem um mero contrato de natureza exclusivamente civil.
Mas, se a sua pretensão vier a ser recusada pelo Conservador do Registo Civil, com base precisamente no facto de serem do mesmo sexo, a Teresa e a Lena não se conformarão: de imediato interporão recurso judicial dessa decisão, se preciso for até ao Tribunal Constitucional.

É que a inconstitucionalidade do artigo 1.577º do Código Civil, que restringe a celebração de contratos de casamento a pessoas de sexo diferente é tão óbvia, que a decisão jurisdicional que vier a decidir sobre o caso só poderá ser uma: permitir o seu casamento!

Ao contrário do que acontece em tantos países por esse mundo fora, e mesmo até aqui na nossa vizinha Espanha, em Portugal os cidadãos ainda não podem celebrar livremente contratos de casamento sem quaisquer restrições ou discriminações em razão da sua orientação sexual.

A Teresa e a Lena sabem que até que isso aconteça, muitos passos terão ainda de ser dados.

Mas uma coisa é certa:
- Este é o primeiro!




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