quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

 

E se o «NÃO» ganhar?



Independentemente dos critérios que levarão os portugueses a votar «SIM» ou «NÃO» no próximo referendo sobre a despenalização do aborto, e (longe vá o agoiro) se o «NÃO» ganhar?

O que mudará neste caso em Portugal?
A resposta é por demais simples, e tão óbvia que até chateia: nada vai mudar; tudo ficará na mesma como agora.

Quer então isto dizer que depois do referendo vai deixar de haver mulheres a abortar em Portugal?
Claro que não!
Como é por demais óbvio, nem uma só mulher em Portugal que pretenda abortar (e independentemente dos motivos que a tiverem levado a tomar essa decisão) e tenha decidido nesse sentido, vai deixar de o fazer em função do resultado de um referendo.
O número de abortos que se vão realizar em Portugal será precisamente o mesmo.

Então, e se o «NÃO» ganhar, a prática do aborto que não se insira na lei já actualmente em vigor (violação, malformação do feto ou perigo para a saúde da mãe) continuará a ser criminalizada e penalizada.
Mas, apesar disso continuará a haver abortos em Portugal, já que a penalização, como é sabido, nunca constituiu o menor motivo de dissuasão para as mulheres que pretendam abortar.

É por isso que as mulheres que tenham decidido abortar se dividirão em dois grupos: as que têm dinheiro e as que não têm.
As que têm dinheiro irão fazê-lo em clinicas inglesas, ou até aqui bem pertinho, em Badajoz. E o número de abortos, quanto a estas, será precisamente o mesmo.

Aliás, se eu fosse um dono sem escrúpulos de uma clínica de Badajoz o que eu faria melhor era financiar o mais possível a campanha do «NÃO». Mas isso é outra conversa.

As mulheres que não têm dinheiro e que tenham decidido abortar recorrerão a uma clínica clandestina, a um qualquer «vão de escada», ou até a uma «parteira» amiga, que tem muita experiência em meter agulhas de tricot por mulheres adentro, e até lhes faz um desconto.

Então, por sua vez, as mulheres sem dinheiro que tenham decido abortar clandestinamente dividir-se-ão em dois grupos: aquelas a quem a coisa corre bem, e aquelas a quem a coisa corre mal.

Aquelas a quem a coisa correr bem, pode ser que se safem e que não sejam descobertas pelas autoridades policiais.
Aquelas a quem a coisa correr mal, vão de urgência para o Hospital.
Então, se a coisa correr mesmo mal, morrem; se a coisa correr bem, safam-se.
Mas são estas que se safam precisamente aquelas que vão ter um processo crime às costas, porque o médico que as safou é obrigado a participar a ocorrência à Polícia.

Quer então isto dizer que se o «NÃO» ganhar no referendo as mulheres que abortem e as pessoas que as auxiliem continuarão a ser perseguidas criminalmente.
Serão julgadas e, provado o crime, serão condenadas na pena correspondente, já que o aborto é punido com pena de prisão até três anos.

Mas atenção: só as mulheres que não têm dinheiro.
Porque as que têm dinheiro não terão praticado qualquer crime, porque terão abortado num país estrangeiro onde, porque essa conduta não é punível, ela não deixará qualquer rasto.

Serão então julgadas somente as mulheres mais pobres e com menos recursos que tenham abortado num «vão de escada» e, mesmo dentre estas, provavelmente só aquelas a quem «a coisa correu mal» e que por isso tenham sido «apanhadas».

Essas serão sentadas no correspondente «banco dos réus».
Serão fotografadas por jornalistas à entrada e à saída do tribunal, serão humilhadas perante toda a gente e obrigadas a contar e a explicar, para quem quiser ouvir, os motivos mais íntimos e pessoais que as terão levado a uma decisão tão trágica como é a de abortar.

Provado o crime, serão então condenadas na pena correspondente, já que o aborto é punido com pena de prisão até três anos.

Em suma, se o «NÃO» ganhar, tudo ficará na mesma em Portugal.
Porque foi nesse sentido que as pessoas que terão votado «NÃO» no referendo terão decidido.
E terá sido nesse mesmo sentido, aliás, que terão decidido as pessoas que optem por abster-se no referendo.
Todas elas terão decidido por si próprias e, obviamente, e porque se acham nesse pleno direito, terão decidido também pelas outras pessoas.

Se o «NÃO» ganhar, presumo que essas pessoas fiquem satisfeitas.
Afinal, e pelos vistos, pensam que como está é que tudo está bem....




(Publlicado simultaneamente no «Diário Ateísta»)




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