segunda-feira, 19 de março de 2007

 

O Que Faz Falta



Estive este fim de semana em Espanha.
Quiseram as peculiares circunstâncias que rodearam o meu itinerário e a minha estadia, que conhecesse um membro da equipa governativa do Primeiro-ministro espanhol José Luís Rodriguez Zapatero.

Conversámos longamente e, sendo a advocacia a sua profissão de origem, cedo a conversa enveredou pela comparação dos sistemas políticos, jurídicos e judiciários dos dois países, principalmente dos sistemas portugueses, que me surpreendeu que ele conhecesse razoavelmente bem.

Mas se ficou surpreendido com a naturalidade com que todos os partidos portugueses fazem integrar nos seus grupos parlamentares deputados a que chamam «independentes» e sem qualquer afinidade, se não partidária pelos menos política, com o partido que vão representar no principal órgão de soberania, já ficou absolutamente atónito quando lhe disse que o Partido Socialista tinha feito eleger duas ou três deputadas conhecidas pelo seu feroz conservadorismo ou reconhecidas pelas suas afinidades intelectuais e até matrimoniais com a «Opus Dei».

Riu-se francamente quando lhe disse que o principal partido da oposição tinha entre os seus deputados à Assembleia da República, por exemplo, um confesso monárquico, membro até de outro partido político, mas levado às listas eleitorais pela notoriedade pública ganha com os seus medíocres dotes de fadista.

Como seria de esperar, a conversa enveredou a certa altura para o assunto do casamento homossexual, há muito já permitido em Espanha, ficando surpreendido por ter à sua frente o advogado das duas lésbicas que se tinham apresentado numa Conservatória do Registo Civil e assim tinham despoletado um processo específico e concreto actualmente a correr nos tribunais portugueses, sendo um caso que conhecia bem e acompanhava de perto.

Contei-lhe o recente indeferimento do recurso pelo Tribunal da Relação de Lisboa (cujo acórdão já se pode ler na íntegra neste site) dos meus projectos e das minhas perspectivas futuras do caso.

Finalmente, e face ao seu extraordinário conhecimento da realidade portuguesa, pedi-lhe que, segundo o seu ponto de vista, me dissesse quais as principais semelhanças e diferenças que via no Primeiro-ministro português José Sócrates e no Primeiro-ministro espanhol Zapatero.

Disse-me então que achava ambos os governantes dotados de um invulgar instinto político e de uma vontade séria e determinada de levar a cabo um projecto político e até social em que sinceramente acreditavam.
Para o provar, lembrou as inúmeras reformas administrativas por ambos levadas a cabo nos dois países, mesmo sob as fortes críticas dos interesses corporativos que iam sendo afectados.

E referiu-me então as diferenças que via entre os dois.
Primeiro, detectei-lhe algum cuidado da sua parte na escolha das palavras, decerto para não me ferir alguma susceptibilidade lusitana ou para não me parecer que se auto-elogiava.
Mas não me surpreendi quando me disse que, em primeiro lugar, achava que «talvez» Zapatero tivesse tido «melhor sorte» que Sócrates não só escolha da sua equipa ministerial, mas principalmente na composição dos seus conselheiros e assessores mais directos.

Mas depois pôs a «diplomacia» de lado e continuou:
Disse-me então que achava que, na generalidade, Portugal estava pelo menos dez anos atrasado em relação à Espanha.
E disse-me que achava que esse atraso era grave, endémico e absolutamente notório, e que iria persistir e até mesmo agravar-se enquanto Portugal não levasse a cabo as mudanças estruturais que são realmente importantes.
Deu-me os exemplos da hesitação portuguesa na construção de grandes empreendimentos nacionais, como o novo aeroporto de Lisboa, como lhe chamou, ou o TGV, que se discutiam e debatiam interminavelmente em vez de se assumirem e concretizarem de uma vez por todas.

E deu-me também o exemplo da despenalização do aborto, que não entendia porque tinha sido submetida a referendo em vez de ter sido solucionada pela via legislativa por um partido que tem maioria absoluta no parlamento, e ainda o exemplo do casamento homossexual, que é um assunto que em Portugal os partidos políticos e os sucessivos governos continuam a fingir que não existe.

E concluiu:
- São provavelmente estas as principais diferenças entre Portugal e a Espanha e também entre Sócrates e Zapatero; e são estas as diferenças que vão continuar a existir e a fazer com que Portugal continue dez anos atrasado em relação da Espanha.
Fez uma pausa e continuou:
- E que vão continuar a existir, podes acreditar, enquanto Sócrates não tiver o que tem tido Zapatero para resolver todas estas questões em Espanha, mesmo as questões sociais polémicas, como essa do casamento homossexual que tu defendes.

Perguntei-lhe então, claro está, que raio era isso que, segundo ele, Zapatero tinha que Sócrates não tem.
Riu-se muito, e então, na linguagem desbragada já habitual de «nuestros hermanos», disse-me:
- Cojones!




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