quinta-feira, 1 de março de 2007

 

A Quintessência da Tolerância



Os últimos tempos têm sido fertéis na reinterpretação católica dos termos tolerância - simplesmente a atitude de admitir a outrem uma maneira de pensar ou agir diferente da adoptada por si mesmo - e intolerância, expressas abundantemente em tudo quanto é comunicação social cá no burgo.

Assim, especialmente desde a guerra dos cartoons, que os escribas ao serviço da ICAR se têm desdobrado em acusações estridentes de intolerância e «laicismo radical» a todos os que se opõem ao proselitismo católico por utilização abusiva do espaço público – no sentido de espaço do Estado, supostamente laico- ou à imposição a todos dos disparates em que acreditam.

Mas, não contentes com os insultos que prodigamente distribuem a quem não aceita e segue os ditames e a pseudo-moral da Igreja de Roma, especialmente em tudo o que diga respeito a sexualidade, – e aqui recordo Friedrich Nietzsche no Ecce Homo, «a moralidade cristã é a mais maligna forma de toda a falsidade» - alguns escribas devotam-se a inventar perseguições por parte daqueles que denigrem, porque, como Nietzsche afirma na Genealogia da Moral, «o cristianismo (ou a moralidade dos escravos) necessita um ambiente hostil para funcionar».

Assim, numa tentativa de angariar dividendos políticos para os «mártires» perseguidos pelos «fanáticos» laicos, em alturas de pré-campanha para o referendo assistimos à importação cá para o burgo de uma das invenções mais lucrativas para os cofres das igrejas e organizações cristãs americanas: a guerra ao Natal!

Invenção abundantemente debitada nas páginas do Público, em artigos que subentendiam estar a Associação República e Laicidade - uma «quadrilha de idiotas», «importante colecção de cretinos» e «estúpidos sem fronteiras» nas palavras de Bento Domingues, O.P. -, empenhada, com «manifesta tolice», «burrice mais aguda» e «maldade», numa inventada «guerra» ao Natal, manifesta, por exemplo, na utilização de «Boas Festas» em vez de «Bom Natal».
Quiçá o frei achasse normal e desejável o Estado obrigar todos, não crentes na mitologia cristã inclusive, a incorporar no léxico do quotidiano os termos dessa mitologia...

O que traduz o conceito de tolerância católica: não se atrevam a dizer o que pensam e muito menos reivindicar direito a agir abertamente de acordo com o que pensam, só o podem fazer na clandestinidade, caso contrário demonstram ... intolerância!
Qualquer crítica à religião ou seus representantes, afirmação pública da laicidade ou reivindicações contrárias aos dogmas da Igreja é assim considerado como intolerância. Claro que os dignitários afirmarem que urge combater o ateísmo porque quem não aceita a «verdade absoluta» católica é obviamente um imoral servo do Mal, responsável por todos os males do mundo e arredores é a quintessência da tolerância.

Como refere o Ricardo Alves no Esquerda Republicana, «se o sr. Domingues tivesse escrito que os africanos são ‘cretinos’, seria racista. Se tivesse designado os judeus por «quadrilha de idiotas», seria anti-semita. Se tivesse chamado ‘estúpidos’ aos brasileiros ou aos chineses, seria xenófobo. Se o Público tivesse editado um artigo aludindo à ‘burrice’ católica, dez bispos gritariam ‘a ICAR está a ser perseguida’. Se o alvo fossem os muçulmanos, haveria uma crise internacional.»

Como o alvo destes mimos são os laicistas, pressupostos ateus, os crentes acham normais e tolerantes as palavras do frei. Assim como acham normal que os bispos nacionais chamem burros inconscientes e desprovidos de «valores éticos fundamentais» a todos os que no referendo não votaram de acordo com as «ordens» da Igreja!

Todos têm o direito a acreditar no que quiserem, em astrologia, quiromancia, reikis «quânticos», psicografia, que Xenu está vivo e confinado por campos de força alimentados por uma bateria eterna, que o Elvis está vivo mas foi raptado por extraterrestres, que a Terra e o Universo foram criadas por Apsu, Haashch’eelti’i, Olodumare, Gisoolg, Ungambikula, Odin, Deus e restantes mitos sortidos.
Agora, ninguém tem o direito a exigir que eu «respeite» quaisquer disparates coibindo-me de os criticar, muito menos tem o direito a exigir que eu aja como se esses disparates fossem a «verdade absoluta».
Defendo o direito à livre expressão daqueles que pretendam ser o Universo uma abóbora gigante mas não aceito que queiram proibir o ensino de astrofísica ou o consumo de pevides!

Nunca deixará de me mistificar que considerem intolerância não aceitar a imposição a todos dos delírios esquizofrénicos que consideram «verdades reveladas» aqueles que mimoseiam com epítetos de intolerantes fundamentalistas «laicos», os idiotas, cretinos, estúpidos, inconscientes e imorais que se atrevem a não pensar como eles!


- Um artigo de Palmira F. da Silva



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