segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

 

Desde que seja como eu quero…



Nem de propósito: no passado dia 31 de Dezembro saio do autocarro na Plaza de Colon, em Madrid, e deparo-me subitamente com uma (para mim) inesperada manifestação de várias centenas de milhar de pessoas que, a pretexto de uma reunião de celebração da «família cristã», e todas muito afinadas e em obediente coro e com palavras de ordem gritadas em católicos altifalantes, bramavam contra as mais recentes políticas do governo espanhol.

As palavras de ordem e os cartazes não enganavam: aquele imenso rebanho de fiéis católicos, comandados por dezenas de sotainas estrategicamente espalhadas e que conduziam as ovelhas pelos redis mais convenientes, aprestava-se a servir ali de pretexto para as cúpulas da Igreja Católica espanhola uma vez mais se imiscuírem na política do Estado.

Desta vez queriam não mais do que promover «os valores da família cristã tradicional» o que, está bom de ver, só pode existir com a criminalização do aborto, com o fim do casamento homossexual, com o fim da proposta de inclusão nos currículos da disciplina de “Educação para a Cidadania” (e dessa coisa horrenda que é a educação sexual!) e até com a completa proibição do divórcio para todas as formas de casamento.

Pois bem:
Que os católicos se reunam em rebanhos, isso é lá com eles.

Mas repare-se que o que aquela carneirada queria não era manifestar-se contra direitos de que esteja privada ou sequer rebelar-se contra algo que lhe estivesse a ser imposto contra a sua vontade.
Nem muito menos pretendia proclamar a sua fé ou louvaminhar e bajular o seu Deus.
Nem sequer queriam pugnar pela defesa dos seus princípios e dos seus dogmas religiosos, por muito irracionais ou até imbecis que eles sejam.

Não!
O que aquela piedosa multidão pretendia era não mais do que pugnar pela imposição desses seus princípios e desses seus dogmas... aos outros!

Porque ninguém ali queria proclamar, gritar bem alto se muito bem quisesse, que, por exemplo, era contra o divórcio. E que, por exemplo, tinha optado como filosofia de vida própria nunca se divorciar.

Não!
Para isso não era preciso todo aquele miserável espectáculo. O que aquele gado amestrado queria era nada mais nada menos do que a completa proibição do divórcio para todos, independentemente da sua religião.
Porque, se um imbecil qualquer acha que uma «família cristã» não se divorcia, nem mesmo quando a mulher leva grandes cargas de porrada do marido, então o melhor é proibir o divórcio para toda a gente, que só assim é que se defendem os valores judaico-cristãos da sociedade.

O recente assassinato de Benazir Bhutto, no dia 27 de Dezembro e até a anulação do «Lisboa-Dakar» são mais do que prova de que nas grandes e nas pequenas coisas as nossas vidas são frequentemente influenciadas pelos fundamentalismos religiosos e pelos dogmas mais cretinos e anacrónicos que meia dúzia de paspalhos não só pretendem viver eles próprios, mas que querem também impingir a toda a gente.

E que não se pense que a coisa fica por aqui: basta pensar Mike Huckabee, fundamentalista cristão evangélico, que interpreta a Bíblia literalmente, que acredita que foi Deus quem criou o mundo há 6 mil anos e que quer «devolver a América a Cristo», acabou de conseguir já uma primeira vitória nas primárias do Partido Republicano para a candidatura às eleições presidenciais dos Estados Unidos.

Ou basta pensar no casal John e Cynthia Burke, de Newark que, depois de verem inicialmente deferida a sua candidatura para a adopção de uma criança de 17 meses, acabaram por ver a sua pretensão recusada por um muito piedoso juiz que, mal soube que ambos eram ateus, e embora tenha reconhecido as suas “altas qualidades éticas e morais”, acabou por não autorizar que uma criança fosse educada e crescesse «privada do inestimável privilégio de adorar a Deus Todo-Poderoso».

É esta, de facto, a típica maneira de pensar de todos os que levam a vida a engraxar o seu Deus e a investir num lugar no Paraíso: com uma lata e um desplante inauditos, não só querem levar a sua vida de acordo com os dogmas imbecis que algum pastor ou algum carpinteiro atrasado mental lhes proclamou no deserto há dois mil anos, como ainda querem que todos os outros vivam a vida... à sua maneira.




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