segunda-feira, 31 de março de 2008

 

«O Lavar da Roupa Suja»



O Partido Socialista prepara-se para apresentar na Assembleia da República um projecto de lei que virá alterar as regras do divórcio.
Ao que consta, terminará em certa medida com o conceito de divórcio litigioso baseado na violação culposa dos deveres conjugais, e reduzirá para apenas um ano a relevância da separação de facto para efeitos de fundamento de divórcio.

E, como já é normal acontecer quando alguém quer remexer as águas estagnadas das «instituições nacionais», aí estão as costumeiras reacções!

Por exemplo a de João Miranda, que no «Diário de Notícias» se indigna contra os «partidos de esquerda» e recorda os seus saudosos tempos em que «a defesa de instituições e de regras que têm como objectivo proteger as pessoas delas próprias costumava ser uma característica das religiões tradicionais».
Esclarecidas então assim as coisas, o João Miranda vai por aí adiante a defender a «família» e aproveita para enaltecer o Domingo «que é o dia consagrado à família, quer os portugueses queiram quer não».

É pena que o João Miranda não nos tenha explicado o que é para ele isso de «proteger as pessoas delas próprias» e o que é isso de «família», deixando-nos simplesmente no ar uma espécie de conceito tão religioso que existe somente quando coincidente com o casamento.
E ao mesmo tempo tão sagrado que deveria ser protegido pelas «religiões tradicionais» e, portanto, ser absolutamente indissolúvel, por mais violenta ou infernal que se tenha tornado a vida de um casal.

Por outras palavras, e como não estamos a falar de casamento católico, aqui temos um João Miranda que acha que deveriam ser as «religiões tradicionais» a proteger… o casamento civil.

E como tudo isto vem da defesa da família, com o dia de Domingo a si consagrado e tudo, o que é pena é que no seu artigo o João Miranda não nos tenha deixado bem esclarecido se essa sua defesa vai tão longe que defenda até o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, tudo isso como forma de consolidação e fortalecimento das famílias, incluindo, claro está as famílias homossexuais.

Depois, aparece-nos a Helena Matos que no «Blasfémias» resolveu elucidar-nos e fazer um post jurídico. Vai daí, e recorrendo a uma brilhante e finíssima ironia, convida o PS a «colocar fim a outros absurdos em que uma das partes que assinou um contrato tem de permanecer nele por tempo indeterminado», como o contrato de trabalho ou o contrato de arrendamento.

Mas é igualmente uma pena que a Helena Matos não nos tenha também esclarecido devidamente, já não digo através de uma dissertação sobre o conceito de justa causa de despedimento ou sobre o regime que resulta da nova lei do arrendamento urbano, mas, e já que decidiu entrar no domínio das comparações jurídicas destes diversos tipos de contratos de natureza exclusivamente civil, se defende por exemplo a execução específica da promessa de casamento.

Mas a cereja em cima do bolo dá-nos o «Público» que nos diz que uma alimária qualquer provinda de uma organização muito jeitosa chamada «Conferência Episcopal Portuguesa» considerou que este projecto de lei «é mais um sinal claro da postura de afrontamento que o actual Governo assumiu relativamente à Igreja Católica».

Como se não bastasse, e já embalado e a todo o galope, continuou:
«Há forças dentro do Governo que têm uma postura de ataque à Igreja Católica».

Ora se isto é verdade ou não, isso eu não sei.
Sei é que se não é verdade... deveria ser!

Mas sei mais: sei também que, pelos vistos, este néscio conferencista episcopal (passe o pleonasmo) já acha absolutamente normal que… «haja forças dentro da Igreja Católica que tenham uma postura de ataque ao Governo».

E a imbecilidade vai a tal ponto que nem sequer ocorreu aos ignaros membros dessa tal tenebrosa «Conferência Episcopal Portuguesa» a quem, na asinina irracionalidade e no estupor da sua fé, nem sequer ocorreu que a Igreja Católica não reconhece o casamento civil!

Ao ponto de considerar «amancebados» os casais que não sejam «casados pela igreja» recusando-lhes mesmo o acesso a uma boa meia dúzia daquelas teatralidades idiotas e indignas de um ser humano que se respeite a si próprio, e que caracterizam o culto católico.

Ou seja:
Uma Igreja - que a esmo e sem qualquer critério concede anulações de casamentos católicos a troco de chorudas indulgências - e que vem agora pedir ao Primeiro-ministro que «controle o laicismo» dos membros do seu partido, porque pretende defender a manutenção do «lavar da roupa suja» e da litigiosidade da rescisão de um negócio jurídico de natureza exclusivamente civil (com todos os traumas que isso tantas vezes traz a ambos os cônjuges e principalmente aos filhos), um contrato cuja simples existência nem sequer reconhece, é uma instituição que, se há muito perdeu a lucidez, bem demonstra agora que perdeu já também o respeito por si própria e, com ele, todas as mais básicas noções de ética.




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