terça-feira, 20 de maio de 2008

 

Os Desígnios do Todo-Poderoso









Richard Perry Loving (29/10/1933 – 29/6/1975)

Mildred Delores Jeter Loving (22/6/1939 – 2/5/2008)


Os nomes de Richard e Mildred Loving ficarão para sempre ligados à luta pela igualdade racial nos Estados Unidos, e que culminou com a decisão proferida já em 1967 pelo Supremo Tribunal de Justiça daquele país que declarou a inconstitucionalidade das leis então ainda vigentes em 20 Estados da União, que não só proibiam mas até criminalizavam os casamentos entre pessoas de raças diferentes.

Segundo o obituário feito por José Cutileiro no «Expresso» desta semana (e de onde retirei parte dos elementos para este post) Richard Loving era filho e neto de brancos enquanto Mildred era «classificada» como preta no Estado da Virgínia, onde viviam. Foram amigos de infância, apaixonaram-se e pretenderam casar-se.
Foram até à cidade de Washington, onde os casamentos inter-raciais não eram proibidos e voltaram a sua casa já casados, e penduraram na parede do seu quarto a certidão do casamento devidamente emoldurada.

Mas no dia 11 de Julho de 1958 a polícia arrombou-lhes a porta da casa onde viviam.
Irrompeu de súbito a meio da noite no próprio quarto onde dormiam e prendeu-os sob a acusação de violarem a lei de integridade racial do Estado da Virgínia.
Foram julgados e condenados a um ano de prisão ou, em alternativa, a ficarem proibidos de voltar a residir naquele Estado por 25 anos e perpetuamente impedidos de ali regressarem os dois juntos.

A sentença proferida ficará para sempre nos anais da História da Humanidade como um dos mais abjectos exemplos de discriminação entre os seres humanos.
E, como tantas vezes acontece quando à sua frente estão pessoas completamente destituídas dos mais básicos sentimentos de ética, são até os próprios Tribunais os primeiros a pactuarem e a acolherem como aberrante sinónimo de Justiça os mais chocantes abusos dos Direitos Humanos e os mais retrógrados sentimentos de intolerância que se conhecem e se podem conceber.

A justificação dada pelo Tribunal que condenou Richard e Mildred Loving não podia ser mais clara e mais reveladora de onde provieram estes imbecis sentimentos de intolerância e ódio racial que indiscutivelmente a motivaram e obviamente fundamentaram.

De facto, a sentença condenou-os pelo «crime contra a lei de anti-miscigenação do Estado e pelos crimes contra a paz e a dignidade da comunidade» pelo facto de «estarem a coabitar como se fossem marido e mulher».

E a justificação da sentença não podia ser mais esclarecedora:

«Deus todo-poderoso criou as raças branca, preta, amarela, malaia, e vermelha e pô-las em continentes separados.
«E, se não houvesse interferência com este Seu arranjo, não surgiriam casamentos assim.
«O facto de Ele ter separado as raças mostra que não tinha intenção de as misturar».

Para evitarem ser presos, Richard e Mildred Loving abandonaram então o Estado da Virgínia.
Já em 1963 o casal escreveu a Robert Kennedy, na ocasião ministro da justiça, que os pôs em contacto com a Associação Americana de Direitos Cívicos, e começou então a sua batalha legal que culminou com a decisão do Supremo Tribunal, proferida no dia 12 de Junho de 1967, que declarou a inconstitucionalidade das leis discriminatórias e que obrigou os Estados da União a modificarem as suas legislações estaduais.

Ainda assim essas modificações legislativas levaram o seu tempo: o Estado do Alabama, por exemplo, só já no ano 2000 entendeu aboli-las por completo.
De facto, não é todos os dias que se consegue implementar uma legislação que contraria de forma tão drástica a vontade desse Deus todo-poderoso e o seu alto desígnio de separação dos seres humanos em razão das suas raças.

A história de Richard e Mildred Loving constitui um exemplo paradigmático de que é possível e vale de facto a pena lutar, e com sucesso, contra a intolerância e contra a discriminação, e principalmente contra o ódio que tantas pessoas votam aos seus semelhantes, aos seres humanos, que por qualquer motivo lhes parecem «diferentes».
Venha esse ódio de onde vier e independentemente das razões que o motivam.

Mas o que é verdade é que tanto neste nosso país, como principalmente por esse mundo fora, há ainda um longo, muito longo caminho a percorrer…




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