terça-feira, 27 de maio de 2008

 

A Tristeza de Uma Crença



Às vezes até custa a acreditar que é possível haver quem escreva num jornal baboseiras tão monumentais.
É o caso da crónica bolsada pelo abominável César das Neves no «Diário de Notícias» de ontem, com o curioso e freudiano título de «A Fragilidade de uma Crença».

Tal é a proporção de calinadas por palavra quadrada, que quase seria preciso um tratado sobre a patologia da alucinação da fé para comentar devidamente o que escreve este servo de Deus. O melhor mesmo é ler em silêncio este evangelho segundo o Beato das Neves para depois termos simplesmente pena, muita pena mesmo, desta pobre criatura.

Mas é irresistível não comentar duas ou três pequenas coisitas, até por que se referem a temas que recorrentemente aparecem ditos pelos «junkies da fé» como se tivessem descoberto a pólvora, já incapazes de distinguir a realidade da ficção, tal a overdose de hóstias que ingerem.

Depois de fechar reverentemente o seu cilício, o Beato das Neves abre as hostilidades comentando «a fragilidade intelectual da própria atitude ateísta que, com todo o respeito, é muito inconsistente».
Mas, na verdade, e com todo o respeito, o cronista é tolo!

E que fique bem claro que «tolo» não é mais do que um educado eufemismo que nem sequer merecia um sujeito que toma como filosofia de vida a crença em três deuses que afinal são um só, e que lhe exigem, todos três, reverências constantes, que passaram a História a dizimar populações, que acreditam em arbustos falantes, em paus que se transformam em cobras, em homens que nascem de virgens, em reencarnações, em mares que se abrem para passar «o povo escolhido» que até é doutra religião e tudo, e que pensa que ser monoteísta é ter três Deuses – mas que tem a lata de afirmar que quem acha tudo isto nada mais do que uma ridícula mitologia primitiva afinal é quem tem… «uma atitude intelectual inconsistente».

Mas este «consistente intelectual» não fica por aqui: ainda se dá ao luxo de analisar teologicamente o ateísmo e o resultado, como não podia deixar de ser é… tolo!
Diz esta santa alma que «recusar Deus é uma crença como as outras» e que «no fundo trata-se de ter fé na ausência divina».

Não sei de que insegurança patológica sofrem os «fiéis», de que nova espécie de «inveja» intelectual padecem para quererem chamar a si a necessidade de «acusar» o ateísmo de ser «uma crença como as outras» e de se tratar de «uma fé na ausência divina».

Não que isso interesse muito ou que constitua sequer matéria de preocupação.
Mas o que é facto é que só uma pessoa que baseia a sua vida de adulto na crença de que o seu Deus veio à Terra mandado por si mesmo, depois de ter engravidado a própria mãe, que afinal é ainda virgem, mas que subiu aos Céus em corpo e alma e aparece de vez em quando em cima das árvores a transmitir baboseiras a pastores atrasados mentais, é que era capaz de dizer estas baboseiras sem sequer se rir.

Se esta espécie de gente quer apodar o ateísmo de «uma fé na ausência divina», que o faça, que isso nem sequer me chateia. Até tem uma certa graça, admito.
Terá é de reconhecer em si próprio a mesma «fé na ausência divina» de Zeus, Afrodite, Júpiter, Vénus, Odin, Thor, Baal, Osíris, Shiva, Oxum… e até da Fada dos Dentes.

Embora, confesso, não esteja muito seguro de que o Beato das Neves não tenha muita «fé na ausência divina» da Fada dos Dentes…

Mas o melhor ainda estava para vir!
Quando já nada o fazia supor, eis que vemos um teólogo a filosofar! Claro está que o resultado não podia ser diferente do que quando um sapateiro se põe a tocar rabecão.

Não querem lá ver que este sujeito, que tem como hobby juntar-se em rebanho com outras ovelhas para mendigar de joelhos que o seu Deus modifique as leis da física só para lhe fazer a vontade, resolveu pôr-se a considerar que para os ateus «este universo, sem origem nem orientação, não tem propósito»?

Mas será que o incenso dá assim pedradas destas? Mas a A.S.A.E. não vê isto?

Mas por que raio é que alguém que fala tão poeticamente numa crónica no sorriso da sua filha, mas que afinal ama a Deus sobre todas as coisas, mesmo até sobre esse sorriso, pensa que para um ateu o Universo não tem origem, nem orientação, nem propósito?

Mas este indivíduo que não olha para trás com medo que o seu Deus o transforme numa estátua de sal, só porque o ama muito, como é bom de ver, não tem discernimento suficiente para ler aquilo que ele próprio escreve?
Nem vê ele que recorrer ao conceito de Deus, como um refúgio irracional para quem não consegue ir mais longe do que isso, e ainda por cima, admiti-lo assim abertamente em público só lhe fica mal?

Mas o pior estava para vir: já a terminar o seu textículo, este pateta de sacristia ainda teve tempo para dizer que «se Deus não existe, não existem o bem, a moral e a própria razão».
Só que dizer isto já não é uma simples cretinice. É simplesmente uma coisa triste.
Já nem mesmo é preciso qualificar quem diz que «sem Deus não existe a própria razão». Isto é só mais uma cretinice, e pronto.

Mas quando uma pessoa admite que os critérios de «bem» e de «moral» que adopta como filosofia de vida não são por si aceites como valores intrínsecos e pelo que valem ética, racionalmente e por si próprios, que não são adoptados como «seus» pelo que significam objectivamente, mas que, ao invés, precisa de um Deus que lhos ensine e lhos transmita, precisa que tais valores lhe advenham de um ser mitológico inventado na Idade do Bronze que discrimina, odeia e mata quem não o reverencia da forma adequada, então isso é de facto muito triste.
Muito triste mesmo...




<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com