segunda-feira, 5 de maio de 2008

 

Violento e Ofensivo? Eu?



Esta história começa quase como um daqueles filmes épicos de grandes heróis da Segunda Guerra Mundial baseados nos contos de Alistair McLean.
Mas desta vez é uma história rigorosamente verídica.

No auge da Segunda Guerra um submarino alemão é atingido por uma carga de profundidade largada de um navio aliado. Ferido de morte, o submarino emerge e os seus tripulantes abandonam-no apressadamente antes que se afunde, esperando ser socorridos pelo próprio navio que os atingira e que se aproxima para os recolher.

De súbito, um marinheiro inglês decide cometer um acto de heróica loucura. Corre precipitadamente para submarino já quase imerso, entra no seu interior, procura a zona de comunicações, e segundos antes de o submarino se afundar consegue arrancar do seu lugar um dos mais preciosos troféus que aquela guerra insana lhe poderia oferecer: uma «Enigma»!

Era precisamente na «Enigma», uma máquina fantástica e precursora dos modernos computadores, que residia a base da codificação de todas as comunicações militares alemãs, até à ocasião completamente indecifráveis.

A «Enigma» resgatada ao mar é levada com toda a urgência para Bletchley Park, a base britânica de controle das comunicações aliadas. Da sua descodificação dependia provavelmente o decurso de toda a guerra, muito especialmente porque isso possibilitaria conhecer o paradeiro e as missões dos submarinos alemães que afundavam às centenas os navios de abastecimentos provenientes dos Estados Unidos.

Para descodificar a «Enigma» não poderia ser outro o escolhido: Alan Turing.

Alan Turing era um cientista e um matemático de excepção e é hoje considerado um dos «pais» dos computadores.
Durante os meses seguintes Turing dedicou-se dia e noite à descodificação da «Enigma». Com um sacrifício inaudito da sua vida pessoal trabalhava sem cessar, dias e dias seguidos sem dormir e quase sem se alimentar.
Muitas vezes eram os seus colegas de Bletchley Park que quase o forçavam a interromper o seu trabalho para simplesmente poder comer e dormir um pouco.

Mas o árduo trabalho de Alan Turing foi coroado de êxito e os segredos da misteriosa «Enigma» foram finalmente desvendados.

A partir de então, os aliados passaram a ter acesso às comunicações cifradas alemãs como se estas fossem emitidas em linguagem corrente e puderam ter conhecimento de inúmeros planos dos generais alemães antes mesmo de estes terem tempo de os pôr em prática.
Centenas de navios passaram a conhecer com antecedência o paradeiro dos submarinos e das esquadras de guerra alemãs e puderam desviar-se a tempo das suas rotas.
De tal forma, que muitas vezes alguns navios não eram avisados e eram propositadamente “sacrificados” simplesmente para que os alemães não suspeitassem que as suas comunicações eram lidas como num livro aberto.

É tida como verídica a história de que a espionagem alemã conseguiu descobrir uma projectada viagem ultra-secreta de Churchill ao Canadá, e projectava uma missão para abater o avião em que aquele viajaria.
A descodificação da «Enigma» permitiu aos ingleses conhecer antecipadamente o plano dos alemães e mudar o itinerário de Churchill, ao mesmo tempo que sacrificavam o avião onde originalmente deveria viajar. Como seria de esperar o avião foi abatido pelos alemães sobre o Atlântico, e todos os seus ocupantes morreram.
Entre eles viajava Glenn Milller.

A muito poucas pessoas se deverá uma mudança tão radical do curso da Segunda Guerra Mundial como a Alan Turing. Provavelmente nem sequer Churchill ou Eisenhower tenham contribuído tanto como Turing para isso.
Os historiadores são hoje unânimes: o esforço e o génio de Turing permitiram sem dúvida salvar centenas de milhar de vidas e encurtar em mais de um ano da duração da guerra.

Mas uma coisa muito curiosa sucedia na ocasião em Inglaterra: a homossexualidade era punida criminalmente. E assim permaneceu até 1967. Em Portugal assim foi até 1974.

Acontece que corria à boca pequena que Alan Turing era homossexual. Como é óbvio isso foi motivo mais do que suficiente para que Turing nunca tivesse visto o seu esforço e a sua dedicação devidamente reconhecidos ou recompensados e tivesse visto, como merecia, o seu nome escrito em letras grandes na História da Segunda Grande Guerra Mundial.
Não foi obviamente armado cavaleiro. Nem uma medalha lhe deram.

Até que já em 1952 Turing foi finalmente «apanhado» em flagrante: mantinha um relacionamento com outro homem.
Então, Alan Turing foi julgado e condenado.

Na sentença proferida pelo Tribunal inglês foram-lhe dadas duas escolhas:
- Ou cumpria dois anos de prisão numa penitenciária, sujeitando-se ao que os restantes presos pensariam de um condenado homossexual entre eles;
- Ou, em alternativa, se submetia a uma «castração» química através de injecções maciças de hormonas, que o deixariam impotente e sem desejo sexual, e ainda com o curioso efeito secundário de lhe fazer crescer os seios.

Alan Turing escolheu uma terceira solução:
Foi então que um dos mais notáveis cientistas do século XX, este génio afável, excêntrico e um pouco gago, a quem a Humanidade tanto devia, decidiu injectar cianeto numa maçã e comeu-a.
Suicidou-se no dia 7 de Junho de 1954.

*

Vem esta história a propósito de me acusarem frequentemente de, mais do que uma simples veemência, recorrer a um tom e a uma linguagem «violenta» e «ofensiva» quando me refiro às religiões e às chamadas «pessoas de fé».

Talvez isso às vezes seja verdade, concedo.

Mas como posso deixar de me indignar perante uma história de vida como a de Alan Turing, que em vez de ver ser-lhe reconhecido o seu extraordinário valor e um mérito de excepção, em vez de ser justamente honrado pelo seu inestimável contributo para com os seus semelhantes, para com a Humanidade, é antes sacrificado no altar de um moralismo imbecil e de valores proclamados por pastores analfabetos e meio atrasados mentais que viveram nos desertos do Médio Oriente há quatro mil anos, em plena Idade do Bronze?

Como posso deixar de me revoltar perante quem adopta como filosofia e princípios de vida uma moralidade de preconceito, de morte e de ódio para com mulheres e homossexuais, para com quem professa uma religião diferente ou simplesmente religião nenhuma, ou perante quem preconiza o atraso endémico da sociedade e da ciência e defende a imolação pelo fogo de quem ousa atravessar-se no seu caminho e também, como se não bastasse já, ainda considera o sexo como algo de sujo, vil e pecaminoso?

Como posso deixar de ser «violento» e «ofensivo» para com a néscia caterva de autênticos idiotas que em pleno século XXI, e em nome de uma mitologia dedicada a uma divindade imaginária, mas nem por isso menos impiedosamente assassina, ainda hoje defendem e proclamam essa mesma moralidade e esses mesmos precisos valores, não somente para si próprios, mas pretendem também impô-los a todo o custo na sociedade onde vivo?

Eu, «violento» e «ofensivo» para com as religiões e para com as «pessoas de fé»?
Eu?
Pois sim! Pobres imbecis: ainda não viram nada!!!




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