sexta-feira, 10 de setembro de 2010

 

A Queima do Alcorão



Ao que parece, uma pastor evangélico americano de nome Terry Jones quer instituir uma iniciativa a que chamou o «Dia Nacional da Queima do Alcorão».
Só mesmo de um cristão fanático, ainda para mais um pastor evangélico, poderia vir uma imbecilidade destas.

Por uma questão de princípio, e em primeiro lugar, não se devem queimar livros. A História já tem exemplos de sobra de queimas de livros, da Biblioteca de Alexandria às cerimónias nazis em Nuremberga, passando pelos autos de fé da Inquisição.

Em segundo lugar, porque se este pastor chama ao Alcorão um livro de ódio e do Diabo deveria chamar o mesmo à Bíblia, que pouca diferença fazem um do outro.

Mas o que é mais curioso é que o tal pastor Terry Jones não deixa de ter alguma razão: a queima de um livro não deixa de ser uma forma absolutamente legítima de liberdade de expressão. E se o livro é um Alcorão ou uma Bíblia e isso constituir uma blasfémia, não deixa esse acto também de constituir o exercício de uma liberdade fundamental dos cidadãos.

Pode até ser uma iniciativa estúpida. Mas não tem também o homem o direito à sua estupidez?

Mas é também óbvio que, por muito que isso seja liberdade de expressão, a queima de um Alcorão ou de uma Bíblia pode também constituir, em determinadas circunstâncias, um acto de intolerância absolutamente gratuito, dirigido não mais do que à ofensa dos sentimentos religiosos das pessoas.

Ou seja, o direito à blasfémia, por fundamental que seja, não deve ser exercido e dirigido unicamente com o propósito de ofender e achincalhar os sentimentos religiosos dos outros, por ridículos que sejam, um direito fundamental que igualmente lhes assiste.
Não me passa pela cabeça ir fazer uma queima ritual de Bíblias à saída da missa da Sé Catedral somente para ofender os fiéis, embora admita fazê-lo noutras circunstâncias.

Acontece que por todo o lado se fazem pedidos desesperados ao pastor para ele ter juízo e para não queimar a porcaria dos livros. Até o presidente Obama já se meteu nisso.
O que é pena é que tais pedidos sejam feitos, provavelmente com o caso das caricaturas dinamarquesas na memória, com um medo imenso que os fanáticos religiosos islâmicos comecem por esse mundo fora a incendiar interesses ocidentais e a matar pessoas.

E de facto, perante isto, o melhor era o pastor estar quieto.

Então, cá temos o exercício de um direito fundamental à liberdade de expressão, por estúpido e inútil que seja e por muito que seja motivado pelo ódio e pela intolerância de um religioso fanático, limitado uma vez mais pelo medo ao ódio e à intolerância dos religiosos fanáticos de outra religião.

E cá temos, uma vez mais, o nosso mundo refém e metido no meio do fanatismo e do ódio de duas intolerâncias religiosas.



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